Da civilização à barbárie
Quem tem filho pequeno deve entender a difícil luta que travamos com a cama. Quando o sono inicia a fase profunda vem o primeiro choro, e no meu caso, antes das 05:30 o meu pequeno Miguel já resmunga solicitando o seu colo e João já está dando – Bom dia! Certa noite estava colocando João pra dormir, (depois da mamada da madrugada), quando eu perdi o sono. Ligando a TV, assisti no Programa do Jô uma entrevista sobre turismo nas favelas do Rio. Você não entendeu errado, e eu não estava sonhando, o absurdo era exatamente este mesmo. Pessoas dispostas a pagar para presenciar ao vivo a desgraça dos outros. Fico tentando imaginar o folder de divulgação para atrair possíveis interessados. Talvez, pudesse ser assim: - “Venha conhecer o dia a dia de uma favela brasileira. Aqui você terá a emoção de assistir tiroteios ao vivo. Aproveite pra conhecer as melhores armas que podem ser encontradas no Brasil. Tudo isso com muita segurança”. Óbvio que ninguém faria uma propaganda de mau gosto como esta, mas como garantir segurança nesta situação sem acertar diretamente com os comandos dos morros? Ninguém faria um passeio nestes termos sem garantias mínimas.
Para oficializar o caos, um banco privado criou recentemente um seguro para a classe de renda baixa – Seguro bala perdida. Consiste num produto feito sob medida para as cidades onde a segurança pública não funciona. Caso você seja alvejado por uma bala perdida, ou seja, aquela que não atingiu o seu verdadeiro alvo simplesmente porque você estava no caminho, a sua família poderá requerer o benefício. Boa sorte.
O turismo exótico e o fato de empresas almejarem o lucro a partir da violência e da brutalidade dentro de uma sociedade refletem a própria característica atroz desta mesma sociedade. A indignação superficial perde espaço para a satisfação pelo espetáculo. Caso como o julgamento da família Nardoni, onde a mídia espetacularizou os mínimos detalhes, dando por vezes a sensação de estarmos diante de um reality show. A opinião pública não está interessada em justiça, não quer saber se o julgamento garantiu os direitos de todos envolvidos, ela está sim interessada nos detalhes, no sofrimento em cada rosto diante da tela, e por vezes no desejo de fazer justiça com as próprias mãos. O fato de serem inocentes ou culpados deixo para a justiça, que possui os recursos para isso, o que eu não preciso é levar imagens e fatos tão chocantes para dentro da minha casa como se estivesse levando a um bom filme para assistir. Aliás, esta tem sido a rotina de milhares de pessoas que assistem aos programas de TV no horário de almoço nos diversos canais abertos. Antigamente sentávamos à mesa e conversávamos sobre o nosso dia e sobre coisas banais, hoje tecemos comentários sobre crimes hediondos e assistimos a muita violência enquanto saboreamos a nossa principal refeição. Desta forma, estamos dizendo de forma indireta aos nossos filhos que isto é “normal”, acreditem ainda não é, mas se nada fizermos com certeza será.
A minha crença que o homem em sua origem fosse mal por sua própria natureza, e a cordialidade e a benevolência fossem uns “desvios no padrão”, sempre incomodou alguns colegas. Nascemos perversos, e somos socializados com o passar dos anos. Recebia muitas críticas e no fundo sempre aguardei os argumentos que derrubassem esta teoria. Hoje, estou certo de que não só nascemos perversos, como a socialização vem perdendo a sua força e vem deixando de cumprir com o seu papel de tornarmo-nos bons. Continuo ninando os meus filhos todas as noites e tentando imaginar como será esta sociedade quando eles estiverem com os seus filhos nos braços.
Um comentário:
Amei amor! Você é demais mesmo... Sou fã!
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